Kemak é um dos dialetos timorenses. Fala em
diferentes vilas de Timor-Leste, nomeadamente, Atsabe, Cailaco, Atabae,
Bobonaro e Balibó.
Para começar eu gostaria de sublinhar o
seguinte: povo timorense praticava e ainda pratica a queima de grandes áreas na
sua vida agrícola. Essa é a única forma de fertilizar o solo na agricultura
tradicional timorense. Neste escrito, refiro apenas a prática da queima na
agricultura tradicional de Cailaco. Não irei aprofundar a queima e agricultura
em si, contudo a sua relação com o “dito kemak”.
Essa prática ocorre antes da chegada da
época de chuva, todos os anos. Sobretudo preparo do solo para plantar milho.
Durante a queima, a fumaça sobe e o bando da águia vem e lança gritos
estridentes sobre a escura fumaça. Povo de Cailaco apelidou isso no dialeto kemak
“malapu betchu api masú”, significa em português “águia pontapeia a
fumaça”, Mas eu gostaria de batizar isso com palavra “a profecia da águia”.
Para compreender “a profecia da águia” faço
uma viagem de regresso ao tempo. Sabemos que depois da restauração da
independência de Timor-Leste em 2002, o primeiro governo nasceu e sobreviveu
durante quatro anos de vida, mas não conseguiu ultrapassar último ano de
governação. A partir dali nasceu crise, mais conhecido com “crise de 2006”, foi
uma guerra civil, ocorreu assassinato entre timorenses, alguns militares foram
desarmados e alguns civis foram armados. Isso durou até 2008.
Apesar disso, a eleição de 2007 foi um
sucesso para políticos. Durante a campanha eleitoral, lideranças de diferentes
partidos políticos apresentaram os seus compromissos políticos e boas vontades
de resolver esse crise para melhorar a vida do povo Maubere e Buibere.
Eu tinha 12 anos de idade nessa altura,
talvez a minha capacidade de entender política era muito pouco. Mas sempre acompanhei
essas campanhas pelas rádios, ouvi e ainda lembro muito bem como eram os gritos
dos líderes dos partidos políticos que fizeram campanha eleitoral nessa altura,
em todo o território timorense.
Os velhos da minha terra, Cailaco, gostavam
de escutar diretamente os compromissos políticos dos partidos no local onde
realizaram a campanha. Quando regressaram, no caminho para casa, cruzaram com
outros velhos e esses velhos costumavam perguntar – o que é que ouviram na
campanha? - O que é que os grandes disseram? E a resposta sempre era – eh
malapu betchu api masú, - significa em português “águia pontapeia a fumaça”.
A seguir, os velhos ouvintes da campanha costumavam afirmar – ai boi tchuá,
upese se go, ligita puro sumá se, malapu tai mai sai, - em português “é
verdade, agora é o tempo da queima, depois disso, cinza arrefece, águia não
aparece”. O bando só retorna no próximo preparo do solo, quando a fumaça sobe,
na próxima queima.
Aconteceu a mesma conversa entre os
velhos, ema (falantes de kemak), de Cailaco, durante a campanha
eleitoral de 2012, provavelmente também aconteceu na temporada de campanha
eleitoral de 2017 e 2018.
Hoje, recordo essa conversa alegórica,
esse dito dirigido aos políticos e os seus compromissos vagos. A minha avó
contou-me que a época da chegada de chuva e a queima de terra era a época de campanha eleitoral, o que na democracia saudável
acontece uma vez em cada 5 anos; a vinda do bando de águia sobre a fumaça era a
vinda dos políticos no período de campanha eleitoral; os gritos estridentes da
águia eram os compromissos políticos vagos, é o que eu chamo “a profecia da
águia”.
Timor-Leste deveria estar agora no quarto
governo, mas não está, o que acontece Timor-Leste dobrou esse número, está
agora no oitavo governo. Todos os governos tombaram, como um pingo de chuva
caiu do céu, porque falta de estabilidade. Todos os governos de Timor-Leste têm
chance de terminar precocemente. Isso faz com que o desenvolvimento do país é
difícil de adiantar. E quando acontece isso, o clima cria a condição para que a
águia fazer a sua profecia.
Gostaria de destacar as profecias que
considero eram apenas “profecias da águia”, e seguintes são as que considero
muito popular nos últimos anos:
1.
“Em 2020, terão todos a canalização de
água potável na cozinha” (mas na realidade inauguraram a canalização de água
potável só para casas dos deputados)
2.
“Casa para povo vulnerável” (mas na
realidade criaram só lei de pensão vitalícia para ex-titulares, garantiram para
eles a vida luxuosa, aprovaram isto com grandes sorrisos e salva de palmas)
3.
“Criar 60.000 campo de serviços por ano” (mas na realidade até o fim do
mandato sem criar um único campo de serviço)
4.
“Melhorar o
salário do chefe de suco” (mas isso é uma
pura mentira)
5.
“Apagar a lágrima do rosto do povo” (mas
depois disse: “quando eles (povo) têm
fome, a culpa é do governo, quando perdem o trabalho, a culpa é do governo,
eles (povo) não têm culpas, eles (povo) são anjos…” (disse isso no meio dum
crise mundial)
Faço uma pergunta: para que serve “a
profecia da águia”? E sem dúvida alguma a resposta é “para explorar a confiança
do povo”. Ainda por cima o senhor Ministro da Justiça apresentou lei para
criminalizar a difamação, para proteger os líderes, para mandar calar o povo. Mas
senhor ministro, uso a palavra de Jesus e digo da seguinte forma “se o povo se
calar, as próprias pedras clamarão”. Senhor ministro, se calhar, é melhor criar
lei para criminalizar “a profecia da águia”, para proteger povo pela exploração
de sua confiança.
Era isso o dito kemak que eu
queria vos contar.
Castelo
Branco, 18/06/2020
MAUBUTI