quinta-feira, 25 de junho de 2020

DITO KEMAK (Lei para Criminalizar Difamação em Timor-Leste)


Kemak é um dos dialetos timorenses. Fala em diferentes vilas de Timor-Leste, nomeadamente, Atsabe, Cailaco, Atabae, Bobonaro e Balibó.
Para começar eu gostaria de sublinhar o seguinte: povo timorense praticava e ainda pratica a queima de grandes áreas na sua vida agrícola. Essa é a única forma de fertilizar o solo na agricultura tradicional timorense. Neste escrito, refiro apenas a prática da queima na agricultura tradicional de Cailaco. Não irei aprofundar a queima e agricultura em si, contudo a sua relação com o “dito kemak”.
Essa prática ocorre antes da chegada da época de chuva, todos os anos. Sobretudo preparo do solo para plantar milho. Durante a queima, a fumaça sobe e o bando da águia vem e lança gritos estridentes sobre a escura fumaça. Povo de Cailaco apelidou isso no dialeto kemakmalapu betchu api masú”, significa em português “águia pontapeia a fumaça”, Mas eu gostaria de batizar isso com palavra “a profecia da águia”.
Para compreender “a profecia da águia” faço uma viagem de regresso ao tempo. Sabemos que depois da restauração da independência de Timor-Leste em 2002, o primeiro governo nasceu e sobreviveu durante quatro anos de vida, mas não conseguiu ultrapassar último ano de governação. A partir dali nasceu crise, mais conhecido com “crise de 2006”, foi uma guerra civil, ocorreu assassinato entre timorenses, alguns militares foram desarmados e alguns civis foram armados. Isso durou até 2008.
Apesar disso, a eleição de 2007 foi um sucesso para políticos. Durante a campanha eleitoral, lideranças de diferentes partidos políticos apresentaram os seus compromissos políticos e boas vontades de resolver esse crise para melhorar a vida do povo Maubere e Buibere.
Eu tinha 12 anos de idade nessa altura, talvez a minha capacidade de entender política era muito pouco. Mas sempre acompanhei essas campanhas pelas rádios, ouvi e ainda lembro muito bem como eram os gritos dos líderes dos partidos políticos que fizeram campanha eleitoral nessa altura, em todo o território timorense.
Os velhos da minha terra, Cailaco, gostavam de escutar diretamente os compromissos políticos dos partidos no local onde realizaram a campanha. Quando regressaram, no caminho para casa, cruzaram com outros velhos e esses velhos costumavam perguntar – o que é que ouviram na campanha? - O que é que os grandes disseram? E a resposta sempre era – eh malapu betchu api masú, - significa em português “águia pontapeia a fumaça”. A seguir, os velhos ouvintes da campanha costumavam afirmar – ai boi tchuá, upese se go, ligita puro sumá se, malapu tai mai sai, - em português “é verdade, agora é o tempo da queima, depois disso, cinza arrefece, águia não aparece”. O bando só retorna no próximo preparo do solo, quando a fumaça sobe, na próxima queima.
Aconteceu a mesma conversa entre os velhos, ema (falantes de kemak), de Cailaco, durante a campanha eleitoral de 2012, provavelmente também aconteceu na temporada de campanha eleitoral de 2017 e 2018.
Hoje, recordo essa conversa alegórica, esse dito dirigido aos políticos e os seus compromissos vagos. A minha avó contou-me que a época da chegada de chuva e a queima de terra era a época de campanha eleitoral, o que na democracia saudável acontece uma vez em cada 5 anos; a vinda do bando de águia sobre a fumaça era a vinda dos políticos no período de campanha eleitoral; os gritos estridentes da águia eram os compromissos políticos vagos, é o que eu chamo “a profecia da águia”.
Timor-Leste deveria estar agora no quarto governo, mas não está, o que acontece Timor-Leste dobrou esse número, está agora no oitavo governo. Todos os governos tombaram, como um pingo de chuva caiu do céu, porque falta de estabilidade. Todos os governos de Timor-Leste têm chance de terminar precocemente. Isso faz com que o desenvolvimento do país é difícil de adiantar. E quando acontece isso, o clima cria a condição para que a águia fazer a sua profecia.
Gostaria de destacar as profecias que considero eram apenas “profecias da águia”, e seguintes são as que considero muito popular nos últimos anos:
1.      “Em 2020, terão todos a canalização de água potável na cozinha” (mas na realidade inauguraram a canalização de água potável só para casas dos deputados)
2.      “Casa para povo vulnerável” (mas na realidade criaram só lei de pensão vitalícia para ex-titulares, garantiram para eles a vida luxuosa, aprovaram isto com grandes sorrisos e salva de palmas)
3.      “Criar 60.000 campo de serviços  por ano” (mas na realidade até o fim do mandato sem criar um único campo de serviço)
4.      “Melhorar o salário  do chefe de suco” (mas isso é uma pura mentira)
5.      “Apagar a lágrima do rosto do povo” (mas depois disse: “quando eles (povo)  têm fome, a culpa é do governo, quando perdem o trabalho, a culpa é do governo, eles (povo) não têm culpas, eles (povo) são anjos…” (disse isso no meio dum crise mundial)
Faço uma pergunta: para que serve “a profecia da águia”? E sem dúvida alguma a resposta é “para explorar a confiança do povo”. Ainda por cima o senhor Ministro da Justiça apresentou lei para criminalizar a difamação, para proteger os líderes, para mandar calar o povo. Mas senhor ministro, uso a palavra de Jesus e digo da seguinte forma “se o povo se calar, as próprias pedras clamarão”. Senhor ministro, se calhar, é melhor criar lei para criminalizar “a profecia da águia”, para proteger povo pela exploração de sua confiança.
Era isso o dito kemak que eu queria vos contar.

Castelo Branco, 18/06/2020
MAUBUTI

DITO KEMAK (Lei para Criminalizar Difamação em Timor-Leste)

K emak é um dos dialetos timorenses. Fala em diferentes vilas de Timor-Leste, nomeadamente, Atsabe, Cailaco, Atabae, Bobonaro e Balibó. ...